domingo, 13 de junho de 2010

DEFICIÊNCIA VISUAL NÃO LIMITA O PROFISSIONAL

Maria Vilma Roberto

Brasileira Solteira 36 anos
Santo André - SP
Objetivo: compradora, assistente administrativa, assistente de Vendas ou operadora de Telemarketing. Formação superior: Comunicação Social - especialização em Jornalismo Bons conhecimentos de Informática Cursos de especialização Experiência profissional de mais de 18 anos.
Portadora de deficiência visual.


Maria Wilma tem 36 anos. Mora com os pais. Acostumada com a deficiência visual desde criança, ela já trabalhou em diversas empresas. Hoje, sem colocação, ela mantém o ânimo e continua procurando uma oportunidade para trabalhar. A deficiência visual não limita a profissional Maria Wilma. Jornalista diplomada com vários cursos de especialização, Maria Wilma tem pouca (ou quase nenhuma) experiência na área, mas coleciona conhecimentos em serviços administrativos, compra, vendas e telemarketing. "Trabalho desde 1983, e saí do meu último emprego porque sei que posso voar mais alto". O último emprego ao qual Maria Wilma se refere foi na Macol - Manutenção de Condomínios. O ex-chefe, Luís Carlos Gutierrez, se derrete em elogios quando fala de Maria Wilma: "Ela é esforçada, atenciosa e esperta. Tentei fazer de tudo para ela ficar na empresa, mas a necessidade que a Maria Wilma tem de crescer e de alçar novos vôos é impressionante!", declara. O DIA-A-DIA Ao contrário do que muita gente pensa, Maria Wilma não encontrou grandes dificuldades para se adaptar em qualquer das empresas em que trabalhou. Lê jornais diariamente, tem bom humor e costuma apresentar soluções para todos os problemas que aparecem. Domina o computador e o telefone, recebe e encaminha pessoas, compra, vende e faz pagamentos. Em casa, Maria Wilma também se mostra independente mesmo nas tarefas corriqueiras diárias. "Terminei a faculdade já há nove anos e, desde então, passo mais tempo em casa. Há dois anos consegui ter Internet em casa. Estou sem trabalhar desde maio deste ano, e aí uso o meu tempo disponível para sair e procurar emprego. Quando estou em casa, fico horas navegando pela Internet", confessa. Maria Wilma acha que a rede é a grande oportunidade para muitas pessoas que procuram trabalho. "Já devo ter mandado o meu currículo para umas 500 empresas. Algumas me mandam aquelas respostas automáticas, outras não retornam e algumas entram em contato comigo, mas não têm nenhuma vaga no momento. Mesmo assim, não desisto". Maria Wilma atribui as dificuldades à situação do país. "O meu currículo é bom, mas acho que a situação está complicada para todo mundo". Se a deficiência é uma barreira? "Infelizmente, ainda é, mas não desanimo, e insisto por uma oportunidade para mostrar que sou capaz". A busca por um novo emprego é difícil e, às vezes, Maria Wilma sente o preconceito na pele: "Sinto que num processo de seleção, por exemplo, se o empregador fica entre mim e mais um candidato, o outro candidato sempre consegue a vaga, mas mesmo assim, não tenho do que reclamar", afirma sorrindo.


Pesquisas recentes feitas pelo Centro de Habilitação Promove na Grande São Paulo revelaram que 84,4% das empresas analisadas rejeitam a contratação de portadores de deficiência. De acordo com a legislação vigente, as empresas deveriam reservar parte das vagas de empregos a deficientes. Nos finais de semana, Maria Wilma se dedica a um trabalho voluntário de digitar livros para cegos em uma instituição religiosa. "Passo as minhas tardes de sábado revisando e digitando livros. Depois levo tudo para a instituição em disquete e imprimo na impressora especial para braille", conta Maria Wilma.


A LIMITAÇÃO DO DEFICIENTE VISUAL: VERDADES E MENTIRAS

Muitas empresas imaginam que para contratar um profissional que é portador de deficiência (inclusive a visual) é preciso fazer uma despendiosa adaptação no escritório. Engano, assegura Maria Wilma. "No meu caso, por exemplo, a adaptação a ser feita é quase nenhuma, e o programa de computador que eu uso também não tem um custo alto. É um computador normal, apenas com um programa instalado que faz com que o portador de deficiência visual interaja com a tela. O teclado e o mouse também são normais." Ela trabalha com o mesmo material que os outros funcionários da empresa, como agenda, cadastro, mala direta, telefone de ramal e fax. "Tenho uma agenda em braille só para o meu controle diário. Nos arquivos das empresas em que trabalhei, colava sempre uma etiqueta nas pastas com os nomes em braille. Assim, não tinha nenhuma dificuldade para encontrar documentos", conclui. Para se locomover, ela usa bengala, mas vai sozinha de casa para o trabalho e para qualquer outro lugar que precise ir. O CASO PATOLÓGICO Maria Wilma nasceu com glaucoma, uma doença congênita. Depois de passar por uma cirurgia, conseguiu manter 40% da visão em cada olho até os 11 anos de idade. Acabou perdendo as duas vistas ao mesmo tempo. "Foi quando resolvi começar a fazer faculdade. Penso em estudar idiomas agora". Maria Wilma diz que aprendeu tudo o que sabe sozinha, mexendo e descobrindo, inclusive a trabalhar com computador e com a Internet. Apesar de enfrentar barreiras, conseguiu várias oportunidades de emprego. Trabalhou como secretária, organizadora de eventos, operadora e supervisora de telemarketing (inclusive supervisionando uma equipe de cinco pessoas) e trabalhou no departamento de Marketing de uma empresa de plásticos durante cinco anos. "A DEFICIÊNCIA FAZ A EFICIÊNCIA" É este o lema de vida de Maria Wilma. "Eu me aceito como eu sou, e me incomoda que as pessoas tenham pena de mim", explica. "Quero mostrar à empresa em que irei trabalhar que tenho capacidade; também não quero ser poupada no meu dia-a-dia de trabalho, pois conheço a minha capacidade. Sempre me adaptei ao meio com facilidade, e isso não vai mudar agora", desabafa. E foi justamente esta vontade e esta certeza de que pode trabalhar que colocou Maria Wilma em várias colocações. Luís Carlos Gutierrez, citado no começo da matéria, foi empregador de Maria Wilma na Macol durante dois anos e meio. Ela fazia compras, atendimento telefônico, organização de agenda e contatos. "Conheci a Maria Wilma numa outra empresa que tive, de acessórios de telefonia celular. A Maria Wilma teve acesso à propaganda da empresa pela televisão, ligou para a loja, falou diretamente comigo e se ofereceu para trabalhar como operadora de telemarketing", conta Luís. A conversa ao telefone durou alguns minutos, até que Maria Wilma disse: "- Ouça, eu não enxergo. - Como assim?" – perguntou Luís. "- Eu sou cega." Luís conta que parou, e pensou. "Eu não podia mudar a conversa, que estava indo tão bem, só por causa disso. Estava precisando de gente para trabalhar, ela mostrou que tinha habilidades e tinha nível universitário. Respondi que estava tudo bem, e marquei uma entrevista. Ela, como sempre, chegou no horário marcado, sozinha, apoiando-se na bengala. Tivemos uma longa conversa, e ela saiu de lá com o emprego garantido. "Trabalhei com atendimento (90% do tempo com telemarketing) e atuei durante dois anos como supervisora do departamento de Vendas. Muitos clientes se aproximavam de mim e demoravam um tempo para perceber que eu era deficiente visual", lembra Maria Wilma. Ela estava indo muito bem na empresa, até que Luiz se desligou de seu sócio e partiu para um outro negócio próprio. "Nós dois a adorávamos, principalmente porque tem uma memória espetacular. Até hoje ligo para ela para saber o telefone de algumas pessoas...", brinca Luís. Luís, na nova empresa, foi atrás de Maria Wilma. Ela aceitou a proposta e se desligou da Macol. Foi a sua última experiência profissional. Lá era o braço direito de Luís - fazia de tudo. Ficou na empresa por seis anos e resolveu sair por iniciativa própria. "Ela não saiu por dinheiro, mas sim porque precisava crescer profissionalmente. Aqui na empresa, ela alcançou o seu ponto máximo", afirma Luís. "Como amigo, apoiei a sua decisão de buscar novas oportunidades", declara Luís.


OS EXCLUÍDOS DA INTERNET

Maria Wilma navega bastante bem pela Internet para fazer pesquisas e procurar emprego, mas a atividade ainda é limitada. E não somente no Brasil. Segundo a agência de notícias Reuters, estima-se que de 80 a 90% das páginas francesas na Internet, por exemplo, não são acessíveis aos portadores de deficiência visual. Um século depois da invenção do braille, os portadores de deficiência visual continuam fora do progresso de uma Internet cada vez mais gráfica. Nos Estados Unidos, uma lei federal foi imposta recentemente a todos os sites públicos, obrigando a que sejam acessíveis a todas as pessoas, inclusive portadores de deficiências. Na França, medida similar também foi adotada nos sites públicos, mas no setor privado nada é obrigatório em nenhum dos dois países. A BrailleNet, uma associação criada em 1997 para promover integração entre as pessoas que não enxergam, criou um observatório na Internet com uma lista de sites que se preocupam com os portadores de deficiência visual. As páginas foram avaliadas por dez especialistas, que deram um número de estrelas para os sites. Nenhum deles conseguiu alcançar o conceito máximo, equivalente a quatro estrelas. No Brasil existem 16.000.000 de pessoas portadoras de algum tipo de deficiência e cerca de 9.000.000 possuem condições de trabalhar; destas, somente 1.000.000 estão no mercado de trabalho, a maioria em atividades informais e recebendo baixos trabalhos, segundo o Centro de Habilitação Promove.

INCLUSÃO DO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL NO MERCADO

Se o acesso à Internet é restrito aos portadores de deficiência, a situação em relação à inserção dessas pessoas no mercado de trabalho não é diferente. O número de profissionais portadores de deficiência visual que conseguem entrar no mercado de trabalho é muito pequeno. Alguns ainda contam com o apoio de instituições como o Centro Cultural Louis Braille de Campinas, SP, que abrem um pouco o caminho. Esse Centro Cultural, a exemplo de outras instituições em todo o país, que trabalham inclusive com portadores de outras deficiências, tem 32 anos de existência e atende pessoas portadores de deficiência visual total ou parcial, acima dos 12 anos de idade. Maria Cristina Soares de Oliveira é coordenadora técnica e psicóloga do Centro Cultural Louis Braille. Ela explica que o atendimento, muitas vezes, se estende a pessoas portadoras de outros tipos de deficiência ligada ao problema de visão. "Recebemos pessoas com visão subnormal (20% de visão nos dois olhos), pessoas com cegueira total, pessoas que nasceram deficientes, outras que foram acometidas por doenças que levam à cegueira e até pessoas que ficaram cegas por acidente. E não temos idade-limite para o atendimento", explica Maria Cristina. O Centro tem uma programação pré-definida para todos os usuários, e para isso conta com o apoio de uma equipe de profissionais formada por assistentes sociais, psicólogos, professores de locomoção e coordenação motora, pedagogos, professores de educação física e terapeutas ocupacionais. O processo é simples. Quando um novo usuário chega ao Centro, passa por uma entrevista com uma assistente social que faz, segundo Maria Cristina, uma avaliação. "Nesta etapa são colhidas as primeiras informações do deficiente, que depois são discutidas em reunião com todos os outros profissionais da equipe", explica. A equipe se reúne todas as semanas para discutir os casos dos recém-chegados. Depois de avaliado, o usuário é encaixado na agenda de atividades da instituição. "Os profissionais decidem o encaminhamento, e ressalve-se que nenhuma atividade é obrigatória. Grande parte das pessoas que chegam ao centro o fazem em busca de conseguir entrar no mercado de trabalho." O Centro conta, ainda, com a ajuda de alguns voluntários para as atividades complementares, como aula de ioga, curso de teatro, aula de dança, coral, curso de inglês, aula de artesanato, leitura de literatura, aula de reforço de português e matemática para vestibular e tratamento de fonoaudiologia. Para os usuários mais jovens, que ainda não procuram especialização profissional e nem colocação no mercado de trabalho, existe uma série de atividades a serem feitas, além das complementares, como alfabetização em braille, acompanhamento escolar, reforço escolar, aquisição de material escolar, tratamento psicológico, orientações sobre a utilização de bengala para apoio à locomoção, orientação para lidar com os serviços diários de casa e aula de esportes. Já os mais velhos podem contar com um auxílio para entrar no mercado de trabalho ou fazer um dos cursos de encaminhamento profissional, em parceria com diversas empresas. Todos os serviços são gratuitos e os usuários não pagam nenhum tipo de taxa de manutenção ao centro. "A instituição se mantém com verbas de doações e do Estado, além de ser filiado à Fundação das Entidades Assistenciais de Campinas", explica Maria Cristina.


Os interessados podem entrar em contato com o Centro Cultural Louis Braille de Campinas, em Campinas - SP, pelo telefone (19) 3255-0764 ou pelo e-mail braile@feac.org.br

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